quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A transição cubana: Fidel Castro abre a porta para o rodízio de gerações

Mauricio Vicent, em Havana

Cuba vive momentos excepcionais. De definições. E bastaram algumas palavras de Fidel Castro no sentido de que não será um tampão sobre os dirigentes mais jovens para que novamente o dilema de sua sucessão ganhe força e mais ainda o debate crucial sobre que mudanças são necessárias introduzir no modelo socialista cubano. Se Fidel se aposenta ou não é relevante; mas mais importante é a forma como o "Comandante" acompanhará as mudanças inevitáveis. A sensação é de que o futuro do país está em jogo: o que é vital, afirmam cada vez mais vozes dentro do sistema, é a urgência de abrir caminho para as transformações que a sociedade exige.
Aos 81 anos, e depois de 16 meses de convalescença, Fidel Castro se destacou na terça-feira com uma frase inesperada ao final de uma carta lida durante o programa de televisão "Mesa Redonda", dedicado ao tema "Cuba: direitos humanos, mudança climática e solidariedade". Depois de refletir sobre assuntos tão díspares, quase ao fim de sua missiva o líder comunista afirma: "Meu dever elementar não é me apegar a cargos nem muito menos obstruir a passagem de pessoas mais jovens, mas aportar experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que me coube viver".

No momento tão especial que vive Cuba, suas declarações não passaram despercebidas. A recuperação do presidente, que não aparece em público desde que delegou todos os poderes a seu irmão, Raúl Castro, em julho de 2006, continua sendo uma incógnita, embora nos últimos tempos vários de seus colaboradores tenham declarado que sua reabilitação avança e que ele poderia ser perfeitamente reeleito em seu cargo por mais cinco anos.

No início de dezembro Fidel Castro foi proposto como candidato a deputado nas eleições ao Parlamento que se realizarão em 20 de janeiro. Estas desembocarão na constituição de uma nova Assembléia Nacional antes de 5 de março, que deverá eleger entre seus membros o presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, cargos que até agora sempre foram ocupados por Fidel.

Na opinião de vários analistas, as últimas palavras do líder cubano, nas quais pela primeira vez deixa abertas as portas para sua sucessão definitiva, não são relevantes só por isso, mas porque se inscrevem em um contexto geral de mudança no país. Nos últimos meses milhões de cubanos participaram de um grande debate nacional promovido pelo presidente interino, Raúl Castro, sobre a necessidade de introduzir "mudanças estruturais e conceituais" no sistema para que a revolução sobreviva. O debate demonstrou com clareza que a sociedade reclama transformações profundas, econômicas e sociais, mas também políticas, e quanto antes melhor.

A TRANSIÇÃO CUBANA

OPOSIÇÃO QUER FATOS Cada vez com mais força, os apelos por mudanças e o debate se fazem ouvir inclusive nas próprias estruturas oficiais. Figuras destacadas do Partido Comunista, como o responsável por cultura do Comitê Central, Eliades Acosta, ou o histórico Alfredo Guevara, presidente do Festival do Novo Cinema Latino-Americano, convocaram seus compatriotas a evitar o "pensamento único" e a "repensar" entre todos a revolução cubana.
"Há muitos problemas, materiais, de salário, de direito, que são como luzes vermelhas que nos indicam a necessidade de mudanças", disse Acosta em uma entrevista recente, na qual reivindicou lutar por uma sociedade que "fale de seus problemas em voz alta, sem temor, na qual os meios de comunicação reflitam a vida sem triunfalismo, na qual os erros sejam ventilados publicamente para buscar soluções". Da mesma forma, Guevara e outros como ele identificam o "imobilismo" como o pior câncer que pode corroer a revolução e convocam a livrar o país de "aderências indesejáveis, e fazê-lo até a raiz".

Em meio a esse debate, não isento de tensões e de forças centrífugas como a derrota de Hugo Chávez no referendo de 2 de dezembro passado - que deixou claro em Cuba que não se pode depender de fatores externos e que agora mais que nunca a ilha deve empreender reformas -, a última mensagem de Fidel Castro abriu expectativas. "Minha mais profunda convicção é que as respostas para os problemas atuais da sociedade cubana (...) exigem mais variantes de resposta para cada problema concreto do que as contidas em um tabuleiro de xadrez", disse o mandatário.

Em outro fragmento da carta, no qual, com sua linguagem singular, parece dizer que está plenamente consciente do desafio que seu país enfrenta, Castro afirma que "nenhum detalhe pode ser ignorado, e não se trata de um caminho fácil, se é que a inteligência do ser humano em uma sociedade revolucionária deve prevalecer sobre seus instintos". Se 2008, como asseguram os analistas, será um ano decisivo para a revolução cubana, marcado pelas mudanças, ninguém duvida de que Castro será protagonista, quer se aposente quer não.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: http://www.elpais.com/

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