terça-feira, 27 de novembro de 2007

Demagogia permanente – um olhar crítico ao detalhe que corrompe

Toda discussão ou enfrentamento ao racismo é uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário e se deixam de lado os pequenos detalhes. As pessoas tendem a burlar a brutalidade, que é ter que estar o tempo todo explanando: “olha! racismo é crime, não tenha atitudes racistas se não será preso”! Mas, no seu íntimo, sabe que não pode impedir o pensamento, uma das mais poderosas e secretas armas do ser humano, que pode esconder um sentimento de espanto ao ver um negro dirigir um carro novo, ou um susto quando algum negro cruza o seu caminho.
Enfim, se os oficiais da lei soubessem ler pensamentos, poucas pessoas estariam livres. Ser negro no Brasil significa ser frequentemente objeto de um olhar vesgo. E só quem é negro e se sente negro é capaz de identificar esse olhar, os olhares de medo, espanto, e desconfiança.
De cima para baixo vem a lei, que busca evitar que pessoas apanhem na rua apenas por serem de tez diferente, o que acontece com muita freqüência, ainda assim.
As políticas de cotas são necessárias e servem para reparar um pouco a injustiça que sofremos ao longo dos séculos no sistema educacional. Contudo, é nos pequenos detalhes que podemos erradicar o racismo, como, por exemplo, não considerar natural ser chamado de neguinho, quando sabemos que tal intimidade advém de um olhar vesgo de um indivíduo que ver na nossa cor a porta de entrada para tal intimidade. Deixemos de achar natural poder contar nos dedos os negros que aparecem nos comerciais de tv, nos outdoor e nas novelas.
Tais fatos passam desapercebidos e a demagogia ganha espaço na convivência cotidiana com o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido que é, também, utilizado por governos, partidos e instituições: A filosofia solucionista criada por “brancos” não alcança os pequenos detalhes. Os pequenos detalhes estão longe dos debates acadêmicos, funcionários públicos que distinguem tanto pela cor como pela condição social continuam a trabalhar.
O delegado de polícia do Pará, por exemplo, prestando depoimento a respeito do caso da adolescente que ficou detida com 20 homens em uma cela, e lá foi violentada, disse que a mesma só podia sofrer algum distúrbio mental, pois em momento algum mencionara sua condição etária; esse delegado tem as mesmas características dos racistas que muitas vezes falam que a culpa do racismo é do próprio negro. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Sendo assim, prestemos mais atenção nos pequenos detalhes, valorizemos mais os pequenos grupos que formam entidades que discutem a questão e valorizemos mais ainda a intolerância contra os pequenos detalhes.
Dernival Araújo é geógrafo e militante do movimento negro

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